No pátio do colégio

Texto e fotos de Leo Aversa

Quando era adolescente, no final dos anos 80, o hype era tocar alguma coisa, ter uma banda. Época do rock nacional, Paralamas, Legião etc. Eu estudava no Colégio Andrews e lá havia uns saraus onde todos tocavam, ou ao menos tentavam tocar. Eu era dos que tentavam. Tinha dois hobbies. Um era fotografar, o outro era tocar violão e guitarra. Tocar não seria o termo exato. Eu torturava a guitarra. O instrumento sofria mais do que judeu no Estado Islâmico. Mesmo assim insistia, o que só tornava tudo mais patético e constrangedor.

O fato é que um dia estava eu maltratando o violão no pátio do colégio e se aproximou um amigo, Fernando, que tinha um saxofone. Ficamos os dois ali, involuntariamente criando um novo tipo de música, talvez dodecafônica, algo tão vanguarda que ninguém entendia, nem nós mesmos. “Melhor ser surdo...” comentavam os outros alunos. E nós, cheios de atitude e vazios de talento, nos mantínhamos alheios às críticas.

Até que chegaram duas amigas nossas, Flávia e Marisa, e ficaram por ali. Flávia estudava teatro e Marisa fazia aulas de canto. Percebendo nossa comovente dificuldade com os instrumentos, Marisa comentou, solidária, que também era difícil o canto.

Imediatamente rolamos no chão, às gargalhadas, com aquilo que nos pareceu um comentário inacreditavelmente ingênuo e sem noção, feito por alguém sem o menor conhecimento de música. Passamos a nos dedicar ao bullying, dizendo que cantar era fácil, muito fácil, uma moleza. Qualquer um sabia, era só abrir a boca e lá, lá, lá. Até um papagaio bem treinado podia cantarolar uma ópera de Verdi. Aulas de canto então nos parecia um desperdício de tempo tão grande como um curso para aprender a desenhar círculos.

Tocar um instrumento sim que era difícil, exigia técnicas e habilidades imensas, uma dedicação sobre-humana. Não era pra qualquer mortal, muito menos para alunos de canto. Iniciou-se então um debate que se prolongou por todo intervalo, o qual vencemos por desistência.

E continuamos ali no pátio, matando aula e nos digladiando com os instrumentos, para desespero de todo o colégio e talvez de toda vizinhança.

Fernando mais tarde se formou em engenharia naval, hoje projeta barcos. A Flávia virou uma excelente figurinista e vive em Londres. Já eu, pressionado pelos meus pais, pelos meus amigos e por toda a sociedade civil, abandonei a música e fiquei só com a fotografia.

Marisa é a Marisa Monte.

Leo Aversa

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