As gotas da polêmica Imagens premiadas no World Press Photo reacendem o debate sobre fotojornalismo
Texto de Marizilda Cruppe com as fotos vencedoras do World Press Photo 2016
Não tem erro. O anúncio dos vencedores do World Press Photo sempre provoca algum debate. Desta vez, a polêmica girou em torno de uma história contemplada com o terceiro lugar na categoria “People” e que foi retirada do concurso. Não pela Fundação World Press Photo, mas pela agência de notícias americana AP (Associated Press), para a qual o fotógrafo espanhol Daniel Ochoa de Olza, autor das fotos, trabalha.



Para os não iniciados em fotojornalismo, o World Press Photo é muito mais do que um concurso. Por trás da premiação, existe uma fundação holandesa, de mesmo nome, que há 59 edições organiza a competição de maior prestígio e repercussão mundial.
Além de workshops, cursos intensivos de aperfeiçoamento e seminários, ela publica livros e influencia o mercado com os resultados do seu trabalho, totalmente dedicado ao fotojornalismo. Anualmente, a exposição das fotos premiadas é vista por mais de 3,5 milhões de pessoas, em cerca de 100 países, incluindo o Brasil.

As imagens em questão - uma delas abre esta galeria - são registros de fotos das vítimas dos ataques ocorridos em Paris, em novembro de 2015, expostas nos memoriais que as homenageavam. As fotografias de Olza mostram as fotos das vítimas cobertas por gotas de chuva.

Fora do Brasil, o debate pegou pelo lado do direito autoral. As fotos seriam de Olza ou seriam reproduções? Por aqui, levantou-se a bola do uso da linguagem. Isso pode ser qualificado como fotojornalismo?

A AP, num comunicado divulgado na sexta-feira, dia 19, pelo vice-presidente e diretor de Fotografia, o americano Santiago Lyon, alegou que “as fotos foram inscritas por um erro”. A política da agência para a reprodução de fotografias tiradas “por outros” não permitia a inscrição no concurso.


Nascido em Pamplona, Daniel, 37 anos, começou a trabalhar para a AP em 2005 e é fotógrafo contratado desde 2009. Ele tem um interesse especial pela etnografia e já recebeu diversos prêmios, entre os quais o Pictures of the Year Internacional, um World Press Photo, em 2013, e mais dois na edição deste ano.
Não é pouca coisa. O concurso recebeu 82.951 fotos, de 5.775 fotógrafos, de 128 países. Os 19 jurados, 11 homens e oito mulheres, de 16 nacionalidades, reuniram-se em Amsterdã durante três semanas para chegar às imagens vencedoras, divulgadas na última quinta-feira, dia 18.

Com 7 bilhões de habitantes e 3 bilhões de telefones celulares circulando pelo planeta, um em cada três cidadãos tem certeza de que é fotógrafo. Só no Instagram, em janeiro, foram publicadas mais de 80 milhões de fotos - por dia!


Com esse volume de uploads, quase 4 milhões de fotos por hora, em apenas uma das redes sociais, o fotojornalismo está longe de morrer. O fotógrafo americano e professor da Universidade de Yale Philip-Lorca di Corcia disse: “Fotografia é uma língua estrangeira que todo mundo pensa que fala”.

Ele tem razão. Todo mundo pode "ler" uma fotografia, mas "falar" através dela, só fotógrafos profissionais como Daniel Ochoa de Olza, os demais premiados no World Press Photo, em outros concursos sérios e os tantos ótimos fotógrafos sem prêmios que batalham por aí.

Daniel conseguiu enxergar no universo tumultuado de uma cobertura de grande porte, como a dos ataques em Paris, a delicadeza das gotas de chuva sobre as fotos expostas nos memoriais – que estavam lá porque os parentes das vítimas queriam que elas, as pessoas queridas que eles perderam, fossem lembradas. É preciso ter olho para ver. E isso é fotojornalismo.


