Eu sou quem eu quero ser

Texto e fotos de Marcio Pimenta

– O que é real? Dói?

– Ás vezes

– Acontece de repente?

– Demora um tempo. Em geral, quando te tornas real a maioria do teu pêlo já caiu, os olhos se perdem e ficas com as articulações soltas. Mas essas coisas não importam, porque agora você é real. Só é feio para quem não é real.

The Velveteen Rabbits

Esta é uma história sobre a coragem em se tornar exatamente aquilo que você quer ser.

Em um país em que a cada 33 horas um homossexual é assassinado, se assumir trans não é tarefa das mais fáceis. "A sociedade que nos agride é a mesma que nos procura a noite”, me conta Mariana Antunes, 25 anos. Quando a conheci, ela trabalhava numa panificadora em Matinhos (PR). Entrou como faxineira e o preconceito foi forte. Insistiu. Chegou até o posto de salgadeira e conseguiu obter o respeito dos colegas. Ela mora sozinha. Aos 17 anos tornou-se trans. Viveu muito preconceito dentro de casa e conviveu com a depressão. “Minha mãe me protegia mesmo sendo contra. Graças a ela eu não me prostitui. Ela queria me proteger da sociedade, pois sabia que nem todo mundo seria tolerante com as minhas escolhas pessoais”.

Mas apoio da família não é algo comum. Emmily Sophie, de São Bento do Sul (RS), é violonista, 25 anos, trans desde os 14, e diz que em breve fará a cirurgia de conversão. Foi expulsa de casa pelo pai quando tomou sua decisão. Dormiu por 3 dias embaixo da escada que dava acesso a uma escola de música. Funcionários da escola deram abrigo e aulas de música para ela, depois um amigo a acolheu até que ela completasse os 18 anos. Escreveu um livro enquanto estava em depressão e pensava em suicídio.

Prestou vestibular em Curitiba na Universidade de Música de Belas Artes e foi aprovada. Trabalhou como maquiadora e designer de sobrancelhas para pagar o curso. Conheceu um policial militar, com quem viveu por 6 anos. Neste período ela foi agredida por ele constantemente. “Ele usava foice e facão para me agredir, por puro ciúmes”. Um dia, cansada da violência, voltou para sua cidade natal. Seus pais haviam se separado e ela decidiu morar com a mãe e o irmão. “A cidade é pequena e sempre encontro meu pai pela rua, mas ele vira o rosto. Não nos falamos mais”.

A decisão sobre quem queremos ser muitas vezes ficam enterradas nos sentimentos mais profundos. Deixamos quieto para não abalar as estruturas econômicas e sociais à nossa volta. É preciso coragem para soltar os cabos que nos prendem ao porto seguro. Para elas, esta decisão quase sempre vem cedo, pois é forte demais para se manter guardada. Muitas vezes ainda despreparadas para as consequências, ainda assim seguem em frente e se recusam a se recolher. Uma coragem admirável e que nos ensina sobre como é muito melhor ser quem queremos ser. Pois agora é real, e só é feio para quem não é real.

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